Escolhidas a dedo para você ouvir!

domingo, 28 de fevereiro de 2010

As mãos que afagam, muitas vezes são as que também machucam.




Rio de Janeiro, 27 de fevereiro de 2010.
1h 21min


Não vou querer me despir da dor que está em meu peito agora, nem do mar que chega a meus olhos no momento em que escrevo esse texto. São eles, além de minha indignação, que nortearão cada ponto e cada vírgula aqui presentes.
Já comentei que o professor tem que segurar muitos trancos no exercício de sua profissão. Muitas vezes somos nós, que mesmo em salas de aula lotadas, não conseguindo dar atenção decente para todos, percebemos o quanto a violência contra a criança ainda é algo assustador no Brasil. Contrariando o ECA, Estatuto da Criança e do Adolescente, que em tese levaria à criança o seu amparo total, o que se percebe é o crescimento da violência contra ela.
Certa vez, percebendo a mãozinha de um aluno meu com cicatriz de queimadura, perguntei-lhe o que havia acontecido. Na hora, percebi que ele desviou o olhar e, com pesar, disse que se queimara fazendo café. Guardei a fala dele para, num outro momento, trabalhar a questão da exploração infantil. Ainda que concorde que colocar as crianças para ajudarem na rotina do dia-a-dia com tarefas simples e não perigosas seja algo saudável, ensinando-lhes sobre cooperação, colocar uma criança de apenas 7 anos para fazer café é demais! Mas ao lembrar do momento em que lhe perguntei sobre o que havia acontecido, algo me intrigou naquele pesar presente nos olhos do menino. Fiquei de olho! Sempre solicitava a presença de algum responsável, mas passei um ano inteiro sem conhecer qualquer membro da família dele. Tentei entrar em contato por telefone, mas não obtive sucesso nas tentativas.
Como havia me apaixonado por essa turma, resolvi acompanhá-la por mais um ano. Eis que na primeira reunião escolar, apareceu a avó desse menino. Era a primeira vez que alguém responsável por ele aparecia na escola. Iniciei uma conversa agradecendo a presença dela ali e elogiando o menino, que era uma criança adorável e esforçava-se para superar todos os obstáculos, sendo um ótimo aluno. A avó pediu desculpas pela ausência, justificando que trabalhava demais e que estava em briga judicial com a sua filha, pela guarda dele. Considerando o fato estranho, demonstrei curiosidade pelo caso. Ouvi, estarrecida, a avó relatar que a filha dela, juntamente com o padastro do menino, haviam colocado a mão dele na chapa, o que provocou queimaduras gravíssimas. Como a avó só tomou conhecimento do caso horas depois, o menino demorou a receber atendimento. Não consegui ouvir tal história sem me emocionar. Então era esse o motivo daquele olhar perdido enquanto ele contava algo que talvez tenha sido induzido: que fora fazendo café que provocara a queimadura.
Fiquei pensando a respeito, tentando imaginar quantos casos de violência passam despercebidos pelo olhar do professor em sala de aula... Quantos dos nossos alunos não trazem em sua vivência as marcas de uma violência que nem sempre se faz física? ... Emocional ou corporal, o que cumpre sinalizar é que precisamos estar atentos aos sinais que as crianças nos trazem: estarem muito retraídas ou muito agitadas, não brincar, desconversar quando se pergunta algo sobre a família, tristeza contínua, enurese, baixo rendimento, desinteresse etc.
Uma vez que se observe casos de violência física, emocional e de abusos sexuais, é preciso chamar a família, fazer a anamnese e caso o problema persista, cabe a escola denunciar ao Conselho Tutelar, esperando que providências sejam tomadas.
Casos que são levados ao socorro emergencial, obrigatoriamente, devem ser denunciados pelos médicos, aos organismos responsáveis pela proteção adequada do menor. Os médicos devem informar às famílias diretamente sobre a denúncia que será feita, explicando que se trata de um esforço para esclarecer a situação e obter ajuda para a criança e sua família.
O abuso físico é, geralmente, repetitivo e sua severidade tende a aumentar a cada nova investida. Qualquer lesão suspeita deve ser adequadamente investigada, considerando-se a incerteza quanto à possibilidade de acontecer uma nova chance de intervenção, além da prevenção contra consequências mais graves.
O local mais acometido pelos maus-tratos no corpo da criança e do adolescente é a pele. Tipos de lesão incluem desde vermelhidão, equimoses ou hematomas até queimaduras de 3º grau. É comum haver marcas do instrumento utilizado para espancar crianças ou adolescentes: elas podem apresentar forma de vara, de fios, de cinto ou até mesmo da mão do agressor.
Um outro dado que merece nossa atenção é saber que a violência contra a criança está presente em todas as camadas sociais, e não somente, como equivocadamente pensam alguns, nas classes menos favorecidas.
O assunto nos abre um leque de possibilidades de discussões, mas por agora, deixo um pedido aos colegas de profissão: estejam atentos! Muitas vezes, ficamos receosos de tomar atitudes que possam prejudicar ainda mais a criança, tal como a retirada de seus lares e a ida para abrigos, o que provocará mais danos ao seu já fragilizado sistema emocional. Mas não podemos nos esquecer que precisamos ter um olhar e uma escuta muito sensíveis para essas crianças, o que já é uma intervenção.

Art. 18 do Estatuto da Criança e do Adolescente - É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor. (…)


“A palavra progresso não terá qualquer sentido enquanto houver crianças infelizes”.
(Albert Einstein)



Puxão de cabelo, com possibilidade de trauma no couro cabeludo.




Síndrome da criança sacudida (Shaken Baby Syndrome), com possibidades de hemorragias intra-cranianas.




Criança amarrada e amordaçada.



Criança com marcas de cordas amarradas no pulso.




As queimaduras por cigarro são geralmente feitas nas palmas das mãos, solas dos pés e nádegas. Queimaduras em vários estágios de evolução indicam abusos frequentes.



As queimaduras por utensílios domésticos aquecidos como garfos, facas, colheres são frequentes. Na ilustração, queimadura típica por ferro elétrico.



A cabeça é das regiões do corpo uma das que mais sofre agressões.

2 comentários:

  1. Eu solidarizo com sua dor, é revoltante qq abuso contra a criança!

    Beijos e boa semana!

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  2. Olá Menina das Estrelas!
    Vim, antes de qualquer coisa, agradecer tua visita ao meu blog e tanto carinho nas palavras. Essa troca é sempre muito positiva, com certeza!
    Ao me deparar com esse post ocorre-me a tristeza e a revolta também, além disso, ocorre-me a preocupação constante que nós, enquanto pais e mães devemos ter para com nossas crianças, tão frágeis, inocentes e indefesas num mundo corroído pela impunidade e pela falta de amor, infelizmente.
    Deus conserve tua perseverança em ser educadora, e mais, uma pessoa solidária e defensora dos pequeninos na sua prática diária. Bjins e até!

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