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segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Entrevista cedida pela revista Pátio - Ed. Artes Médicas - Howard Gardner

“Não deveria valer apenas a nota tirada na prova de matemática, mas o respeito pelo outro e o tipo de ser humano que nos revelamos”
Howard Gardner





Howard Gardner é professor de Educação e co-diretor do Projeto Zero, no Harvard Graduate School of Education, e professor adjunto de Neurologia na Boston University School of Medicine. É autor de inúmeros livros, incluindo "Estruturas da Mente", "A Criança Pré-Escolar: como pensa e como a escola pode ensiná-la" e, mais recentemente, "Mentes que Criam". Em 1981, Gardner recebeu o Mac Arthur Prize Fellowship e, em 1990, tornou-se o primeiro americano a receber o Louisville Grawemeyer Award in Education.

Pátio – Seu livro Inteligências Múltiplas: A teoria na prática, publicado pela Artes Médicas em português, atraiu o interesse de muitos educadores brasileiros. Na sua opinião, qual seria a razão para este sucesso?

Howard Gardner – Não posso falar especificamente sobre o Brasil. A teoria das IM (Inteligências Múltiplas) tornou-se popular em muitos países porque proporciona apoio para um fato que a maioria dos professores (e a maioria dos pais) sabe: as crianças têm mentes muito diferentes umas das outras, elas possuem forças e fraquezas diferentes, e é um erro pensar que existe uma única inteligência, em termos da qual todas as crianças podem ser comparadas. Muitos programas educacionais têm sido baseados na teoria, e esses programas contém inovações promissoras no currículo, na pedagogia, na avaliação e no uso de recursos fora do prédio da escola.
Pátio – O senhor não tem medo de que seu trabalho de pesquisa possa ser visto como uma nova panacéia, já que o público está sempre ávido por novidades?

Gardner – Evidentemente, não posso ser responsável pelo uso que as pessoas dão às minhas idéias. Espero que esses usos sejam responsáveis. Recentemente, comecei a escrever artigos que salientam algumas concepções errôneas. Por exemplo, criar sete ou oito testes, um para cada inteligência, é muito arriscado – pode repetir o mesmo tipo de rotulação que ocorreu nos testes únicos de inteligência.

Pátio – Que nova visão da educação a teoria das Inteligências Múltiplas nos daria?

Gardner – A implicação educacional mais importante das teorias das IM é esta: todos nós temos tipos diferentes de mente, e o bom professor tenta se dirigir à mente de cada criança da forma mais direta e pessoal possível. Se os professores têm uma turma de alunos muito grande, é difícil fazer isso. Mas se o foco começa no jardim de infância, e se os pais (e mais tarde as crianças) entram no esquema, torna-se possível um tipo de educação mais personalizado. Atualmente estou escrevendo um livro em que demonstrarei como tópicos importantes – como a teoria da evolução e o Holocausto – podem ser ensinados, de modo que as crianças com diferentes perfis intelectuais compreendam as idéias básicas.
Pátio – Fale-nos um pouco sobre o Projeto Zero da Harvard e sobre o trabalho de pesquisa que começou a ser desenvolvido lá.

Gardner – O Projeto Zero da Harvard, iniciado por Nelson Goodman e co-dirigido por David Perkins, realiza pesquisas básicas sobre cognição, aprendizagem e artes há 30 anos. Atualmente, estamos envolvidos numa variedade de projetos – incluindo um estudo sobre se as pessoas podem ser criativas e também responsáveis; o treinamento do automonitoramento na aprendizagem; se a aprendizagem artística "se transfere" para outras disciplinas nas escolas; uma revisão das escolas que ensinam para as inteligências múltiplas. Estamos no negócio de criar novas idéias e ver se elas podem ser colocadas em prática – nas escolas, nos museus e em outros ambientes educacionais.

Pátio – Que resultados sua pesquisa colheu após as mudanças ocorridas na prática pedagógica decorrentes da utilização de sua teoria nas escolas?

Gardner – A pesquisa sobre as inteligências múltiplas ainda está em seu período de bebê. Mas posso dizer, com certa confiança, que tanto os alunos quanto os professores passam a refletir mais sobre sua aprendizagem; mais crianças sentem que suas forças pessoais estão sendo reconhecidas; pais e alunos têm mais enfoques e questões a discutir; os alunos fazem projetos que são efetivos e aprendem a se apresentar convincentemente em público. Entretanto, estes resultados felizes e positivos não acontecem automaticamente: os professores precisam trabalhar de modo perseverante por alguns anos para dominar as idéias e coloca-las em prática, sempre refletindo sobre aquilo que está funcionando bem e aquilo que não está.

Pátio – Na teoria das Inteligências Múltiplas, como é feita a avaliação pedagógica?

Gardner – Conforme mencionado anteriormente, não estou muito interessado em determinar quais são os objetivos da aprendizagem – os papéis a serem atingidos, as habilidades a serem dominadas, os desempenhos a serem buscados. Isso seria avaliado, então, da maneira mais direta possível, e não através de testes de respostas curtas, avaliados por uma máquina. Se você quer saber se alguém é capaz de escrever um editorial efetivo, ou executar um experimento, deve fazer com que as pessoas realizem essas tarefas. E se você quer saber se os professores são capazes de ajudar os alunos nessas atividades, observe os alunos trabalhando sob a supervisão dos professores e examine o trabalho dos alunos e o feedback que recebem.
Pátio – Considerando a teoria das Inteligências Múltiplas, qual seria o maior desafio para a educação? E qual seria o papel do professor?

Gardner – O maior desafio é conhecer cada criança como ela realmente é, saber o que ela é capaz de fazer e centrar a educação nas capacidades, forças e interesses dessa criança. O professor é um antropólogo, que observa a criança cuidadosamente, e um orientador, que ajuda a criança a atingir os objetivos que a escola – ou o distrito, ou a nação – estabeleceu.

Pátio – Como os sistemas de comunicação, que são cada vez mais rápidos, interferem na educação e na inteligência?

Gardner – Os sistemas de comunicação cada vez mais rápidos não são bons nem maus em si mesmos – não mais do que o rádio ou o telefone são inerentemente bons ou maus. O risco é que receberemos tantas mensagens, tão rapidamente, com tão pouco controle de qualidade, que não poderemos nos sentar calmamente e avaliar o que é importante, a que devemos prestar atenção e o que devemos ignorar. Mas sempre nos resta o poder de desligar a máquina.

Pátio – Na sua opinião, quais são as perspectivas para a educação no próxima século?

Gardner – As constantes em educação são ajudar o indivíduo a compreender seu mundo, a ser capaz de lidar com a mudança e a ser humano cívico. Como fazer essas mudanças é algo que muda em certos aspectos, mas continua constante em outros. Uma vez que existe tanto a aprender, precisamos ser mais seletivos e estratégicos, e precisamos ajudar os indivíduos a continuar aprendendo depois que saem da escola.
Pátio – Como a criatividade emerge durante o desenvolvimento do ser humano?

Gardner – Todo indivíduo tem o potencial para ser criativo. Mas as pessoas só serão criativas se quiserem ser – se estiverem dispostas a contestar a ortodoxia, a aceitar as críticas, a não se pertubar com ataques ou insultos.

Minha contribuição a respeito deste assunto é dupla: 1) ao invés de ver a criatividade como uma propriedade geral, vejo os indivíduos como criativos ou não-criativos em domínios específicos, que geralmente mapeiam a inteligência; 2) como Csikszentmihalyi, vejo a criatividade como envolvendo não apenas mentes humanas, mas também domínios em que os indivíduos trabalham, e campos que realizam julgamentos sobre a qualidade e a novidade do trabalho.

Pátio – Como as inteligências se desenvolvem na velhice?

Gardner – Enquanto o indivíduo não ficar senil, ele pode continuar a desenvolver inteligência. Precisamos praticar, enfrentar novos desafios, refletir sobre aquilo que aprendemos. Provavelmente, algumas inteligências (como as pessoais) continuam a se desenvolver muito naturalmente durante toda a vida; outras, como a lógico-matemática, habitualmente se atrofiam, a menos que a pessoa tenha um foco específico.

Pátio – O livro de Daniel Goleman (Inteligência Emocional) também fez muito sucesso entre os educadores brasileiros. Nesse livro, ele enfatiza que os sentimentos não eram considerados nos antigos testes de QI e aponta uma nova maneira de se pesquisar nessa área. Entretanto, as proposições de Goleman se aproximam dos manuais de auto-ajuda. Qual é a relação da sua proposta com a de Goleman?

Gardner – Gosto do livro de Daniel Goleman. Sua discussão da inteligência emocional é similar à minha discussão das inteligências interpessoal e intrapessoal. Minha única crítica – à qual você alude – é que Daniel tende a fundir o descritivo (o que as inteligências são) com o prescritivo (como são os seres humanos). Da minha perspectiva, as inteligências são amorais – tanto Goethe quanto Goebbels eram mestres da língua alemã, mas Goebbels usou isso para fomentar o ódio.

Pátio – A década de 90 está sendo caracterizada como a "década do cérebro". Nunca foi feita tanta pesquisa sobre a inteligência artificial. Seria possível construir um computador que fosse um réplica mecânica das sete inteligências humanas?

Gardner – Algumas inteligências são bem mais fáceis de simular no computador do que outras. Aspectos das inteligências musical e lingüística são facilmente simulados. As inteligências pessoal e corporal seriam mais difíceis. Recentemente acrescentei duas novas inteligências – a naturalista (entender o mundo da natureza) e a existencial (fazer perguntas básicas sobre a vida, a morte, o universo). Seria difícil para um computador simular a inteligência existencial.

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Um comentário:

  1. Sou fã desse cara! É uma pena que suas palavras não possam fazer parte da nossa realidade avaliativa. Quem sabe um dia...

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