Escolhidas a dedo para você ouvir!

terça-feira, 6 de abril de 2010

Surfando na chuva.

Partilho com vocês um artigo meu publicado no GLOBO ON LINE hoje.


http://oglobo.globo.com/opiniao/


Publicado em 06/04/2010 às 14h49m
Artigo da leitora Cristiane Silva

Surfando na chuva

De novo vejo a cena. E não é pesadelo entre um cochilo e outro tirado na volta do trabalho, que normalmente já gera transtornos em função dos engarramentos. É a vida real, assim como ela não deveria ser. Mais um dia de chuva no Rio de Janeiro e, nas entrelinhas, mais um dia de caos.

Muitos de nós, apesar de cariocas da gema e habituados com a ideia do Rio 40 graus, costumamos dar um risinho quando o tempo dá aquela mudada, anunciando a vinda de dias mais frescos. No entanto, diante de tudo que temos passado com as chuvas, acabamos até colocando os joelhos no chão para pedir para chover de mansinho. Porque sabemos de todos os transtornos. Sabemos de todo o medo, de toda ameaça e sabemos (de cor!) da quantidade de pessoas que perdem não só bens materiais como também familiares.

Um dia de chuva no Rio não nos faz somente chegar em casa muito mais tarde, mas nos faz olhar com espanto, tristeza e indignação as cenas de moradias completamente alagadas e pessoas desesperadas tentando tirar seus pertences comprados com dificuldade. Nos faz olhar, com apreensão, os meninos que insistem em transitar pelas piscinas formadas, passando entre os carros enfileirados num engarrafamento que, certamente, vai durar horas. "Seremos assaltados?". "Haverá um buraco na estrada?". "Será que a água subirá mais?". Com tantas dúvidas e medos, até o mais ateu de todos deve pedir a algum ser dotado de poderes supremos para chegar em casa a salvo. E se for daqueles que pensam nos outros, ainda haverá de pedir por aqueles que estão em situação ainda mais complicada que a sua.

A cidade do Rio de Janeiro não está preparada para as chuvas, até mesmo para as brandas. Mas estará preparada para as Olimpíadas! Sim, nossos governantes garantem, podem acreditar! Os investimentos serão usados como "maquiagem" para que o Rio faça bonito diante de todo o mundo. Se assim for, parecerá até com uma história de Ruth Rocha escrita para crianças, mas que muitos adultos deveriam ler. Nessa história, o lugar do povo vai sendo coberto por grandes telas com cenários de lugares maravilhosos, até que uma ventania descobre tudo, mostrando o que há tempos deveria ter sido visto.

Não queremos mais os cenários, os disfarces, tampouco as maquiagens que nos tem sido oferecidas. É muito se pedirmos mais atenção com os bairros de nossa cidade? É muito se pedirmos um olhar cuidadoso para com o povo, até mesmo no sentido de orientações com campanhas educativas ensinando a tratar o lixo e a cuidar da natureza? É muito se pedirmos mais lixeiras espalhadas pelas ruas? Um sistema de escoamento eficiente que não nos faça ficar ilhados em apenas alguns minutos de chuva? Seria muito sonharmos com o dito popular "melhor evitar do que curar"?

Se a problemática chuva ainda não abala nossos governantes, deixo então apenas mais uma sugestão: a da criação de um novo esporte para ser praticado desde agora até as Olimpíadas - "Surf in the Rain". Claro que com nossos próprios representantes nas pranchinhas. Já que tudo no fundo acaba sendo para "inglês ver", que mergulhem! Se na modalidade eficiência ainda não ganhamos a sonhada medalha de ouro, quem sabe com o novo esporte?

sábado, 3 de abril de 2010

Cuidado

Textinho meu...

É preciso muito mais que olhar...

Hoje lembrei de algo que me comoveu muito no ano passado. Resolvi partilhar com vocês o texto que escrevi. Creio que trará momentos de reflexão.


Rio de Janeiro, 13 de junho de 2009 – às 2h 43min


É preciso muito mais que olhar...

É que todos os dias ela entrava um pouco mais tarde que os outros... E todos os dias sentava-se no último lugar... E toda vez que aparecia, estava sempre com aquele olhar de tristeza, com aquele olhar de quem não estava com vontade de nada, com aquele olhar de quem apenas gritava um pedido silencioso de SOCORRO. Havia algo que a incomodava, e foi a mim que ela escolheu para partilhar a sua história. Mas para isso, era preciso que dentre 35 crianças, houvesse a sensibilidade no olhar para notá-la e para compreender os motivos que tanto a angustiavam.
Não foi uma conversa fácil. Ela estava com raiva. Aqueles olhos de apenas oito anos de vida, naquele momento pareciam ter 80. Oitenta anos de uma vida sofrida, de uma vida que não fez crescer uma criança que mais tarde pudesse lhe dar a mão quando o adulto balançasse. Pensei que talvez ali, naquele instante, eu pudesse ser a pessoa que mudaria a história de vida dela, e quis saber de tudo o que lhe afligia. E ela então despejou aquele sofrimento, que de tão silencioso já era escancarado. Estava triste porque não tinha nada. As palavras eram dela: “Não tenho nada para vir para cá. Não tenho lápis, não tenho cola, não tenho tesoura... Não tenho a minha pastinha! Ela falou que ia comprar o meu material e não comprou!!!” Ela, a mãe, pessoa que naquele instante era o motivo de toda aquela amargura. Amenizei a situação dizendo que “ela” estava passando por alguma situação difícil, motivo que fez com que não comprasse o material até então. Pedi paciência e emprestei tudo meu para ela usar naquele dia. Um sorriso, ainda que triste.
Dias seguintes, aquele olhar perdido ainda se fazia presente... Mais alguns dias e a mãe da menina procurou por mim para esclarecer um fato ocorrido, pedindo para que eu conversasse com ela. Lá vou eu de novo, enfrentar o olhar de raiva, de tristeza e de amargura. Dessa vez foi ainda mais complicado. Complicado por envolver um turbilhão de sentimentos, que nesta altura do campeonato não eram somente dela. Eram meus também. Para a pergunta que lhe fiz, sobre como estava sendo sua alimentação em casa, não ouço a resposta. Apenas vejo os olhos mareados, a boca torcida demonstrando raiva, e um silêncio que me parecia uma eternidade. Pensei que havia tocado na ferida. Depois do instante eterno, então ouço ( e vale lembrar que são palavras de uma menina de oito anos de idade):
“_ Comida?! Que comida?! Eu não tenho comida não! Olha Cris, eu não tenho feijão pra colocar na panela! Eu não tenho arroz pra colocar no fogo! Eu abro o armário da minha casa e não tenho nada! Eu não tenho nem infância se você quer saber. Minha vida é tomar conta dos meus irmãos.” (ela tem quatro irmãos – todos gerados por uma mulher de apenas 23 anos, que está grávida do sexto filho).
Era difícil acreditar que eu estava escutando aquelas palavras de uma menina de oito anos apenas. Virei meu rosto para o lado e respirei fundo, afim de conter as lágrimas que já queriam rolar. Por um instante eu não sabia o que dizer a ela afim de confortá-la, então já ia colocar em prática a minha tese: não sabendo o que fazer, abrace. Mas ela criou coragem e continuou ali, sentadinha ao meu lado fazendo a catarse que há muito precisava: “_Meu pai não quer nada. Meu pai só quer saber de bar e de arranjar mulher na rua. Quando vai pra casa, é só pra brigar, pra gritar e bater. Não bota um quilo de nada dentro de casa! Você sabe quando eu me sinto feliz? Eu me sinto feliz quando tô aqui com você. Mas eu não tenho nada...! Nem lápis, nem tesoura, nem cola e nem pastinha preta para colocar os trabalhos”. ( e continua chorando).
Segurei as mãos dela e lembrei-a de que havia lhe dado um caderno de capa dura há alguns dias atrás, momento em que cantei a música do Toquinho ( O caderno). Ela me disse que estava cuidando direitinho dele, como o Toquinho dizia. Então eu disse que queria que ela ficasse tranquila, pois se o lugar onde ela sentia felicidade era ali comigo, que eu lhe daria os materiais que ela não tinha. Naquele momento parecia que algo mágico havia acontecido, porque os olhos dela brilharam e ela abriu um sorriso gigante perguntando: “_Você vai me dar canetinha também???”.
Este é o nosso mundo real. Este é o cotidiano de muitas crianças que estão dentro de uma sala de aula buscando os últimos lugares (quando a disposição das carteiras ainda está na roupagem da escola tradicional). Este é um dos motivos da dificuldade de aprendizagem: a criança tendo roubada a sua infância. Esta é uma das causas da também famosa (e trágica) evasão escolar, que a cada dia vai nos roubando mais e mais crianças. Situação bastante contrária ao que nos prega a Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB ( 9.394, de 20 de dezembro de 1996): Art. 2º. A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Como falar em desenvolvimento pleno do educando quando sabemos da desestruturação familiar, do desemprego, da desnutrição, da incapacidade das políticas de governo e da nossa própria incapacidade de lidar com tais problemáticas dentro de salas de aula sempre tão abarrotadas de crianças? São questionamentos para muitas outras discussões, para muitos outros nós que teremos que aprender a desatar. Por ora, o que posso dizer é que resolvi fazer uma parte que sei que não me custará muito. Se a fala da menina parecia tão amarga por não ter nada, e ao mesmo tempo esperançosa quando dizia que era ali, na escola que se sentia feliz, será então ali que ela terá o seu mundo mais colorido. Com aulas ainda mais divertidas, ainda mais poetizadas. E para ajudar a colorir o mundo dela, um estojo de canetinhas!

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Uma reflexão de Neruda.

Morre lentamente quem se transforma em escravo do hábito repetindo todas os dias os mesmo trajetos.

Pablo Neruda

quinta-feira, 1 de abril de 2010

PARA OS QUE VIRÃO (THIAGO DE MELLO)

COMO SEI POUCO, E SOU POUCO,
FAÇO O POUCO QUE ME CABE
ME DANDO INTEIRO.
SABENDO QUE NÃO VOU VER
O HOMEM QUE QUERO SER.


JÁ SOFRI O SUFICIENTE
PARA NÃO ENGANAR NINGUÉM:
PRINCIPALMENTE AOS QUE SOFREM,
NA PRÓPRIA VIDA, A GARRA DA OPRESSÃO, E NEM SABEM.


NÃO, NÃO TENHO O SOL ESCONDIDO
NO MEU BOLSO DE PALAVRAS.
SOU SIMPLESMENTE UM HOMEM
PARA QUEM JÁ A PRIMEIRA
E DESOLADA PESSOA
DO SINGULAR FOI DEIXANDO,
DEVAGAR, SOFRIDAMENTE,
DE SER, PARA TRANSFORMAR-SE,
NA PRIMEIRA E PROFUNDA PESSOA
DO PLURAL.


NÃO IMPORTA QUE DOA:É TEMPO
DE AVANÇAR DE MÃOS DADAS
COM QUEM VAI NO MESMO RUMO,
MESMO QUE LONGE AINDA ESTEJA
DE APRENDER A CONJUGAR
O VERBO AMAR.

É TEMPO SOBRETUDO
DE DEIXAR DE SER APENAS
A SOLITÁRIA VANGUARDA
DE NÓS MESMOS.

TRATA-SE DE IR AO ENCONTRO.
(DURA NO PEITO, ARDE A LÍMPIDA VERDADE DE NOSSOS ERROS).
TRATA-SE DE ABRIR O RUMO.


OS QUE VIRÃO, SERÃO POVO,
E SABER SERÃO, LUTANDO.