Escolhidas a dedo para você ouvir!

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Crônica de Elisa Lucinda

Repasso pelos mesmos motivos expostos por Elisa, assuntos que venho tratando há tempos em todos os artigos que escrevo.


O que matou Rafael?

Estou em Paulínia e fico sabendo da notícia da morte de Rafael, filho da minha querida Cissa Guimarães. Meu coração começa a sangrar e a doer como se fosse o dela, como se a gente fosse parente e, quase como se fosse menino meu, embora nada chegue aos pés da dor dela. Claro que morrem milhares de jovens nesse país a toda hora e nem ficamos sabendo da prematura e anônima notícia, e por isso que dirão que só nos comovemos com essa perda porque é filho de artista conhecida. Ora, é e não é. Essa atenção se dá não só porque temos acesso ao fato, porque ele sai no jornal, mas principalmente porque o artista nos representa. Cissa simboliza alguns signos: força feminina, independência, modernidade, informalidade, honestidade, uma vez que seu nome nunca esta envolvido em falcatruas, responsabilidade materna, porque todos sabem que ela criou os três filhos, sem contar seu carisma e sorriso, que desde a primeira versão do Vídeo Show, fazem dela uma espécie de gente da nossa família. Por isso nos importamos tanto, por isso dói na gente porque fica representando nossos filhos e os filhos de quem não sai no jornal. O menino dela é menino nosso.Tenho em minha mente a imagem dela lendo meu poema Chupetas, punhetas,, guitarras” no espetáculo O Semelhante. Ela adora esse poema e, como minha convidada, chorava lágrimas sinceras ao dizer os versos: ‘...faço compressas pra febre, afirmo que quero morrer antes deles....” Por causa dessa imagem nem tive coragem de ligar para ela e, impossibilitada de dar-lhe meu abraço por estar em viagem, busquei nas palavras algum remédio que buscasse o entendimento desta tragédia. Por isso pergunto: “O que matou esse jovem de menos de vinte anos? O que lhe roubou o futuro?”. Pelo o que li e vi na TV, a impunidade integra ,de novo, o elenco da barbárie. Policiais que estavam no local, ao que parece, foram outra vez coniventes com quem desrespeita a lei que representam. Não conheço os assassinos de Rafael e nem quero aqui ser leviana, mas toda hora vejo uma legião de famílias que não prioriza o amor pelo seu semelhante no conteúdo educacional dos seus filhos. Não é só para bandido que a vida não vale nada. Não. Ela também não vale para o menino que, com o carro que talvez nem possa manter, dá cavalo de pau em um túnel fechado cuja placa de interdição ele não aceita. Há jovens criados com a perversa ilusão de que tudo podem e que diante de seu poder e dinheiro não existem porta fechada, respeito, lei. Desde quando mataram o índio em Brasília que me caiu essa ficha:Alguém dentro de casa ensinou, através de palavras ou ações, a esses meninos infratores da classe média e da alta, que a vida não vale nada. Esse assunto tem raízes mais profundas e nos leva a questionar como estamos educando nossos filhos. Gente ou monstro? Precisamos saber se estamos educando nossos filhos dentro da cultura da paz e afinados com os Direitos Humanos. Nesse sentido entendo que violência no futebol, na escola, pegas de carros, e outras agressões no trânsito, o recorde de vendas de armas de fogo que o Brasil atingiu nos últimos anos, excesso de vaidades anabolizantes, a corrida louca pelo dinheiro e outros sórdidos sensos comuns integram para mim a cultura da guerra. Hoje, mesmo com casamento gay, preconceitos ainda destilam suas variadas conseqüências em nosso mundo contemporâneo que ainda mata mulher por “amor”. Então que evolução é essa? A que nos convoca esse novo tempo? Por isto e para isso escrevo, meus senhores, para que não fiquem impunes os cúmplices desse crime por atropelamento, para que os pais parem de uma vez por todas de armar seus filhos por fora oferecendo-lhes carrões, cartões de crédito sem limite, nenhum juízo, e passem a amá-los por dentro mostrando todos os valores que o dinheiro e o poder não compram, mas que podem salvar uma vida. Cissa, meu amor, quem me dera essas palavras pudessem restituir o tecido rasgado do seu peito nessa hora. Quisera poder adormecer seu coração, anestesiar o seu olhar sobretudo o que recordará a partida do seu fruto. Não posso. Só sei que o tempo fará com que, o que hoje é ausência, vire presença luminosa e eterna na sua memória e que você, o Raul e seus outros filhos construam com valentia e calma essa sublimação. Nem a morte apaga o que o amor construiu, isso eu sei. Termino essa crônica com o verso do tal poema que aqui está a serviço de seu coração generoso : “choram Meus filhos pela casa, eu sou a recessiva bússola, a cegonha, a garça, com o único presente na mão: saber que o amor só é amor quando é troca e a troca só tem graça quando é de graça.”

Beijos, sua Elisa Lucinda.

Um comentário:

  1. Excelente escolha! Esta crônica diz tudo e mais um pouco daquilo que pululou em minha mente e na de milhões de outras tantas.
    A primeira e grande perda familiar foi minha mãe, sempre temi esse momento, mas, Deus foi bondoso conosco e com ela,de certa forma, apesar de toda tristeza e dor que a doença encerra em si, porém, perder um filho é algo avesso ao que esperamos e cremos por "natural", ainda mais sendo assim ceifado de modo tão abrupto. Que cada mãezinha consiga encontrar forças em Deus para superar tamanha dor.
    Bjins pra ti, Menina!

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