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segunda-feira, 21 de junho de 2010

Por Frei Betto, A EDUCAÇÃO DO OLHAR.



Frei Betto é escritor - autor, em parceria com Paulo Freire e Ricardo Kotscho, de Essa escola chamada vida (Ática), entre outro livros.


Em meus guardados encontrei um daqueles recortes de jornais que lemos, achamos interessante e resolvemos guardar para reler em outro momento. Era nada mais, nada menos que FREI BETTO, falando da EDUCAÇÃO DO OLHAR, artigo publicado em 03/05/2006 no Jornal do Brasil. Vale uma leitura reflexiva.

"Desde que me entendo por gente, a escola ensina análise de textos. Graças às aulas, aprendi o ufanismo de "criança, jamais verás um país como este", conheci a paixão de Tomás Gonzaga por sua Marília e deleitei-me com os poemas se satíricos de Leandro Gomes de Barros, como esses versos tão atuais, escritos no início do século: 'O Brasil é a panela/ O Estado bota sal/ O Município tempera,/ Quem come é o Federal'.
Todo texto tece-se com os fios do contexto em que foi escrito. Quanto mais próximo encontra-se o leitor da conjuntura em que se produziu o texto, melhor capta o seu pretexto, o significado. Um alemão tem mais condição de apreender, com a sensibilidade, o universo das obras de Goethe, assim como um brasileiro sente o perfume da culinária descrita nos romances de Jorge Amado.
Pra que serve estudar literatura? Entre outras razões, para ler com mais acuidade o livro da vida, cujos autores e personagens somos nós. Quem lê, sabe distinguir entre arte e panfleto, jogo de rimas e poesia, experimentalismo barato e ficção de qualidade. Ler é exercício de escuta e ausculta. Por isso, enquanto não chegam novos avanços tecnológicos, ler livro na internet é como ver a foto de um entardecer de maio sobre as montanhas de Belo Horizonte. Prefiro contemplar a maravilha ao vivo.
Na adolescência tive em cine-clubes minha primeira educação do olhar. Após a exibição do filme, debates deixavam nítida a diferença entre obra de arte e entretenimento. Cultivava-se a sensibilidade, saturada pelas salas melodramáticas dos pastelões de Hollywood e insaciada diante dos mestres do cinema. A chatice repetitiva do humor televisivo jamais produzirá um Chaplin.
Hoje, a imagem ocupa em nossos olhos mais espaço que o texto, graças à universalização da TV. No entanto, a escola parece não se dar conta de que vivemos numa era imagética. Pior, compete com a TV em arrogante indiferença ou desprezo. Na sala de aula predominam a narrativa textual, a palavra escrita, a sequência demarcada por início, meio e fim. Fora da escola, recebemos uma avalanche de imagens, o vertiginoso coquetel que embaralha passado, presente e futuro, a narrativa implodida pela diversão vazia.
Enquanto a escola se esforça, ao menos teoricamente, para formar cidadãos, a TV forma consumidores. Se os alunos são mais indisciplinados que outrora, é porque não podem mudar-ainda- o professor de canal... Por que não destronar a TV como rainha do lar e levá-la para a sala de aula? Pode-se discordar de um jornal e escrever à seção de cartas ou protestar no rádio. Como queixar-se à televisão, concessão pública utilizada em função de interesses privados? O melhor recurso é inverter a relação: ela passa a ser objeto e, nós, sujeitos.
Imagino em sala de aula os alunos analisando programas de TV e clipes publicitários; transformando o jogo de emoções em objeto da razão, decodificando os conteúdos dos programas e a carpintaria televisiva. Atores e produtores de TV seriam recebidos em salas de aula; a qualidade dos produtos ofertados conferida; abrir-se-ia o debate sobre a 'ética' implícita nos programas de auditório, onde pobres e nordestinos são ridicularizados, e na publicidade, que reduz a mulher a seus atributos físicos como isca de consumo.
Ver TV na escola é educar o olhar. E, assim, dar importante passo rumo à democratização dos meios de comunicação, pois instituições de ensino também devem ter suas rádios comunitárias e produzir vídeos. Só um olhar crítico abre-nos o horizonte da cidadania e da democracia real. Caso contrário, corremos o risco de ver cada vez mais caras e menos corações, acreditar que a predominância da estética dispensa a ética e crer que os sonhos são apenas casulos que não geram borboletas da utopia".

Um comentário:

  1. Ótimo, excelente, maravilhoso! Muitas vezes me pergunto: Por que será que sigo uma boa parte, senão a maior, de professores blogosfera afora...rs e a resposta vem através de posts inteligentes e cheios de conteúdos que educam mentes e corações, como este, por exemplo.
    Esse interesse em continuar "abrindo os olhos" para o mundo e reeducando-os é que me move aqui e acolá. Bjins e até mais!

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